Valter – o mais novo deles, que também trabalhou em Jirau – escreveu o manifesto que faz questão de ler pra gente:
“…Os responsáveis pelos trabalhadores alojados marcou uma reunião com os trabalhadores para ser feito as colocações das propostas, das quais os funcionários precisavam para trabalhar com salários justos e liberdade de expressão. Os trabalhadores do sítio selecionaram um grupo de pessoas para representá-los na reunião com a diretoria. O grupo escolhido sentou na mesa e apresentou as propostas de melhorias contínuas escolhidas e expressadas pelos trabalhadores. Foram reivindicados assuntos como: baixada regularizada, ajuste de salário, readmissão de funcionários demitidos sem razão, saúde com qualidade, etc. A mesa da diretoria levaram os tópicos em debate para aprovação. Apenas verbalmente prometeram analisar os casos e tomar as devidas providências de melhoria. O grupo fez as colocações e defendeu os direitos dos trabalhadores do CCBM (consórcio construtor de belo monte), no sítio belo monte. A diretoria pediu um prazo até o dia 24 do mês de novembro pra trazer os resultados da aprovação das solicitações feitas pelo grupo trabalhista. Porém esta decisão não chegaria a ser ouvida pelo grupo. No dia 16 do mês de novembro chegou uma lista com demissão de 141 funcionários recrutados na cidade de Estreito-MA pelo CCBM. Sem ação para defesa os Trabalhadores foram demitidos e encaminhados de volta à sua cidade… sem saber a decisão dos seus direitos exigidos pelos funcionários em geral.”
Preocupado, conta que o consórcio não quis nem dar uma carta de recomendação para eles. Demitidos – antes de completar um mês de carteira assinada – por lutar pelos seus direitos na grande obra do governo do partido dos trabalhadores. “A empresa usou a gente e jogou fora”, diz. As malas amontoadas, sentados à beira da estrada aberta por uma grande maioria de nordestinos como eles, os quatro não sabem direito o que vai ser daqui pra frente e têm medo de encontrar problemas para arranjar novos empregos.
O ônibus passa por eles sem parar, mas Valter corre atrás e consegue trazê-lo de volta.
Nos despedimos como se fôssemos velhos amigos, combinando de nos encontrar “pelo mundo, qualquer dia”.
Os quatro embarcam às 22:15.
Sem internet, sinal de celular ou ônibus pra voltar à Altamira, alugamos um quarto no hotel do Paulo – 15 reais por pessoa -, que fica ao lado da única farmácia 24 horas de Anapu, que à uma altura dessas estava obviamente fechada. Uns malucos sentados em roda nas cadeiras de um bar que já fechou, numa calçada da estrada seguem bebendo até bem tarde. Não tínhamos mais onde comprar cigarros quando o mais calado deles oferece um dos seus, irônico: “serve um marlboro?”. A marca do cowboy é o ouro dos fumantes na região. Em Altamira, só dois lugares vendem marlboro – fora a rodoviaria – e a um preço acima da tabela nacional.
Na volta, pegamos uma van até o canteiro, onde descemos pra confirmar se mais trabalhadores seriam demitidos. Um dos passageiros, Sebastião, olha atento através da janela como quem chega a um novo mundo, enquanto máquinas e caminhões seguem seu ritmo frenético na estrada. Sebastião vem de Rondon do Pará – há mais de 600 km – com a mulher e três filhos, em busca de emprego na “obra da barragem”.
“Vocês sabem onde eu posso me fichar?”