O poeta chileno Pablo Neruda morreu em 23 de setembro de 1973. Neftalí Ricardo Reyes Basoalto era seu nome de batismo. Deixou uma obra fortemente marcada por uma experiência humana única, de um tempo único. Viveu na América Latina, na Europa e na Asia, atuando como diplomata. Conheceu os horrores da Guerra Civil Espanhola, viveu o isolamento das praias desertas do exílio, saboreou a chuva interminável de Parral, região austral que lhe ensinou os primeiros dramas de um ser tão inquieto quanto criativo. Neruda cantou a liberdade, o socialismo, chorou a vergonha do golpe contra Allende, sentiu o perfume das flores e produziu as próprias fragrâncias em versos e numa prosa fértil. Este poema é do livro “Jardim de Inverno”. Não é dos mais citados, nem dos mais conhecidos, mas para mim revela um pouco da poética de um gênio que soube cantar a tristeza e a alegria de viver.
Animal de luz (Pablo Neruda)
Sou neste sem fim sem solidão
um animal de luz encurralado
por seus erros e pela sua folhagem:
grande é a selva: aqui meus semelhantes
pululam, retrocedem ou traficam,
enquanto eu me retiro acompanhado
pela escolta que o tempo determina:
ondas do mar, estrelas da noite.
E´ pouco, é bastante, é escasso e é tudo.
De tanto ver meus olhos outros olhos
e minha boca de tanto ser beijada,
de haver tragado a fumaça
daqueles trens já desaparecidos,
as velhas estações desapiedadas
e o pó das incessantes livrarias,
o homem eu, o mortal, fatigou-se
de olhos, de beijos, de fumo, de caminhos,
e de livros tão mais densos que a terra.
E hoje no fundo do bosque perdido
escuta o rumor do inimigo e foge
não dos outros mas sim de si mesmo,
dessa conversação interminável,
do coro que cantava junto a nós
e do significado desta vida.
Por uma vez, porque uma voz, porque uma
sílaba ou o transcurso de um silêncio
ou o som insepulto da onda
me deixam frente à verdade,
e não há nada mais para decifrar,
nada mais para falar: era tudo:
e fecharam-se as portas desta selva,
circula o sol abrindo suas folhagens,
e sobe a lua como uma fruta branca
e o homem se acomoda ao seu destino.